
As substâncias psicoativas são utilizadas muito antes do aparecimento da humanidade. Nossos ancestrais já conheciam as propriedades estimulantes ou alucinógenas de algumas plantas. Nos primeiros tempos do homem sobre a Terra, tal consumo parecia estar associado à luta contra a fome (havia escassez de alimentos e técnicas rudimentares de agricultura) e como uma maneira de adquirir elementos fundamentais para a síntese de substancias importantes para o funcionamento do cérebro. Além disso, essas substâncias eram consumidas em baixas concentrações.
Na Antigüidade egípcia o ópio era consumido livremente. Os faraós permitiam que as famílias cultivassem a papoula em seus quintais. Ele possuía várias indicações, inclusive acalmar o choro dos recém-nascidos. O álcool era consumido a partir da fermentação de frutas, cereais, raízes e tubérculos. Isso produzia bebidas de baixas concentrações. A Bíblia cita muito o vinho. Isso porque naquela época, era difícil armazenar a água, que sempre acabava por se tornar reservatórios de doenças. O mesmo não acontecia com as bebidas alcoólicas, que podiam ser estocadas por longos períodos. O álcool, desse modo, era utilizado também para saciar a sede de maneira segura. Quando Jesus transformou água em vinho nas Bodas de Canaã, estava transformando uma coisa ruim, perigosa, em outra boa, segura e saborosa. Desse modo, notamos que o consumo de substâncias, durante milhões de anos não desfez os sonhos das famílias. Uma exceção deve ser feita ao álcool, que desde de cedo, inclusive na Bíblia, teve seus prejuízos identificados.
O problema com o consumo de drogas começa a partir do século XVIII. Vários fatores estiveram envolvidos:
1. Obtenção de apresentações mais potentes. O álcool foi destilado a partir do século XVI. Associado às grandes aglomerações urbanas, plenas de pobreza e de exclusão social, as altas concentrações de bebidas alcoólicas caíram como uma bomba no sistema nervoso central dos indivíduos, causando epidemias de dependência nunca antes vistas. A partir do século XIX, a cocaína e a morfina foram obtidas em sua forma pura (isoladas). Para se ter uma idéia do que isso representou, as folhas da coca possuem cerca de 0,5 - 2% de cocaína.
2. A urbanização. Não resta dúvida de que a dependência de drogas como a conhecemos hoje recebeu muitas influências da urbanização. O surgimento das grandes cidades trouxe a impessoalidade e perda de vínculos. Ninguém conhece mais o outro. Vive-se solto. Não existe mais o João amigo de fulano, primo de cicrano, neto de beltrano. Existe agora o João RG: 16.876.456-XC. Se por um lado isso foi importante para a formação da individualidade e do livre pensar humano, por outro deixou o homem mais vulnerável, mais desprotegido e carente de auxílio. Houve uma perda de identidade. O homem medieval primava por ser uno durante toda a sua existência. O homem moderno prima por ser muitos. Além disso, a urbanização trouxe a pobreza e o desamparo social. O consumo de drogas entra aí como uma importante 'válvula de escape social' para esses males.
3. Aceitação cultural. A partir dos anos 50, com o final da II Guerra Mundial, o mundo passou a buscar atitudes associadas à liberdade individual. Não era mais necessário abrir mão dela. A sobrevivência coletiva não estava mais ameaçada. O consumo de álcool, cocaína, maconha e outros alucinógenos passaram a ser bastante propagados pela juventude. Eles eram tido como uma forma de contestar o sistema opressor e de estimular o surgimento de uma nova sociedade: livre, igualitária, pacífica e fraterna. Tudo isso desaguou no movimento hippie dos anos 60 e 70.
4. Demonização. Também a partir do século XIX formou-se nos EUA uma mentalidade que rapidamente se espalhou para todo o planeta. Um desejo de banir do mundo todo o consumo de drogas. Esse pensamento ganhou grande influência naquele país no século XX. O maior marco foi a Lei Seca, que proibiu a fabricação, o comércio e o consumo de álcool em terras norte-americanas. O Movimento Proibicionista foi radical. Isso acabou por engendrar nas pessoas a idéia de que as drogas são verdadeiras representantes do demônio. Isso afastou as pessoas da discussão sobre o assunto e transformou a questão das drogas em tabu.
As famílias ainda entendem o uso de drogas como algo a ser temido e rechaçado. Esquecem-se, com isso, de parar e olhar para o problema, a fim de compreendê-lo. O aspecto moral ainda prevalece. Desse modo, muitas famílias encaram o problema como um desvio moral, não uma doença. Isso gera conflitos, troca de acusações, que só pioram a situação. Algumas vezes, as drogas tornam-se 'bodes expiatórios' de conflitos familiares ocultos, que só aparecem após um membro da família apresentar tal tipo de problema. Estudos mostram que o abuso físico e sexual na infância, a presença de lares desestruturados e o consumo de drogas pelos pais são fatores de risco importantes para o surgimento da dependência química entre seus membros.
Desse modo, vê-se que há vários fatores influenciando o padrão de consumo de drogas moderno. Vê-se, também, que a desagregação familiar está sujeita a todos eles. A família, inclusive, pode se transformar em um importante facilitador para o início do consumo de drogas entre os jovens. Desse modo, a família não deve ser entendida como uma vítima, mas sim, como parte integrante da questão. Ela pode tanto ajudar quando piorar o problema. Por isso, ela deve sempre se comprometer com o tratamento daqueles que usam drogas e se responsabilizar pelo desenvolvimento do mesmo. A questão das drogas deve ser vista de forma ampla, em diversos níveis. Ao que parece, precisamos atualizar nossa maneira de encarar esse fenômeno, com o qual a humanidade convive há milhões de anos.